Participação do Desmente no âmbito do IX Encontro Nacional de Internos de Psiquiatria, a 20 de outubro de 2022.
Já viste, Tozé, o que o nosso filho diz
Que lhe custa a vida, que já não é capaz
Vai dar comigo em doida, conversa tão infeliz
Mas doidos são os outros – isso o digo ao rapaz
Confesso-me, de costas com a vergonha
Com fé só numa ajuda que não vem
Sou culpado – será culpa, será ronha
Se doidos são os outros, serei eu doido também?...
Ninguém nos ensinou a falar esta língua estranha
Chegámos a Babel tão fria e escura
A voz perdeu o caminho.
Vale mais, então, quando o silêncio se entranha
É dos outros a loucura
E o louco fica sozinho.
Não sei que foi que fiz para o merecer
Se tinha outra, se o rejeitei ou ofendi
Diz-me que chora antes de adormecer
Tristes são os outros – e eu já o esqueci
De sol a sol sorrio a quem passa
Sou forte, sou calmo, sou viril e honrado
Limpa o rum e o travesseiro a água da minha desgraça
Que farão os outros loucos se me virem desgraçado?...
Ninguém nos ensinou a falar esta língua estranha
Chegámos a Babel tão fria e escura
Não há regresso ao amor.
Sobra tempo e coragem para que alguém os tenha
É dos outros a ternura
E quem fica com a dor?...
Era filho de Tozé, era namorado, empregado
Mas se era honrado, embriagado, doido seria?
Como, se doidos são os outros, e os outros dão
À virtude sempre razão e infinita sabedoria?
Tozé tinha um filho muito amado e respeitado
Talvez emigrado? Não o vi mais por aqui…
Dizem os outros, doidos ou não, que o coração
Pedindo perdão, lhe deu descanso de um sufoco vão.
Ninguém nos ensinou a falar esta língua estranha
Chegámos a Babel tão escura e fria
Não há regresso à estrada.
A vida é cofre aberto sem chave ou senha
E nunca mais é dia
Quando ela já está fechada.
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