Ana Maria Gonçalves nasceu em 1970 em Ibiá, Minas Gerais. Publicitária por formação, residiu em São Paulo até se cansar do ritmo intenso da cidade e da profissão. Em viagem à Bahia, encantou-se com a Ilha de Itaparica, onde fixou moradia por cinco anos e descobriu sua veia de ficcionista tendo encontrado inspiração para a personagem de seu romance "Um defeito de cor", Kehinde, mulher nascida no Benin (atual Daomé), cuja história é narrada desde o instante em que é escravizada, aos oito anos, até seu retorno à África.
O texto remete às biografias de Luiza Mahin – heroína do Levante dos Malês, ocorrido em Salvador em 1835 – e do poeta Luiz Gama – líder abolicionista e um dos precursores da literatura escrita por negros no Brasil.
Um defeito de cor conquistou o Prêmio Casa de Las Américas de 2006 como melhor romance do ano.
Sintam um pouco do sabor na leitura de Solange Dacach.
Capítulo 2 - "O desembarque":
"Quando o barco ancorou, muitas pessoas se aproximaram falando a língua do Brasil, que, para mim, continuava parecendo mais música do que qualquer outra língua que eu já tinha ouvido. Alguns brancos acompanhavam um ou outro desembarque, mas a grande maioria era de pretos como nós, com tons de pele e aparências tão diferentes uns dos outros que eu imaginava ver uma África inteira em um só lugar, e tinham os rostos tão alegres que até pareciam nos dar boas-vindas.
Não senti mais medo de virar carneiro, pois se tantos chegados antes de nós não tinham virado, seria muito azar se acontecesse justo na nossa vez.
(...) O que mais me impressionou foram as mulheres vendedoras de peixe fresco ou frito, quitutes e refrescos. Eu nunca tinha visto roupas tão bonitas. Dava para perceber que a maioria delas era da África por causa das marcas que tinham no rosto, mas estas eram as únicas evidências, pois se vestiam de um modo tão lindo, tão diferente, que eu nunca teria sido capaz de imaginar. Os cabelos estavam cobertos por turbantes grandes, feitos com tecidos brancos rendados, lisos ou enfeitados com búzios, conchas e contas de todos os tamanhos e de todas as cores.
Usavam blusas costuradas sobre os ombros e nas laterais, com o comprimento até a metade das pernas, que ficavam escondidas dentro de saias muito rodadas. Geralmente, tanto a blusa como a saia eram brancas, embora algumas também se vestissem de amarelo, de verde, de azul e de rosa. As blusas, que até pareciam vestidos, eram de um tecido transparente e muito leve, escorregando pelos ombros, enfeitadas com bordados caprichados.
Elas também tinham panos jogados sobre um dos ombros, que, mais tarde, eu soube que no Brasil são chamados de pano-da-costa, da costa da África. O pescoço e os braços eram enfeitados com colares e pulseiras dos mais coloridos, ou então dourados, que atraíam a luz do sol e ficavam ainda mais reluzentes. Algumas mulheres tinham os pés calçados, à moda
dos brancos, com sapatos abertos e presos por tiras que subiam pelas pernas em interessantes trançados. Fiquei tão fascinada por elas que só queria saber onde conseguir roupa igual, e tentando guardar na memória cada detalhe, nem prestei muita atenção ao trajeto que fizemos.
Só me lembro de ter passado por uma rua estreita e malcheirosa, de onde víamos o interior das casas, de um lado e do outro, algumas transformadas em comércio e outras mantidas como moradia. As pessoas também trabalhavam no meio das ruas, fazendo sapatos, trançando palha, bordando roupas e fabricando chapéus, além de outras atividades, deixando ainda menos espaço para quem passava por elas".
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