Boa noite a todos. Pretendo apresentar uma brevíssima mensagem aos formandos e, é claro, às demais pessoas que estão assistindo a esta cerimônia. Para isso, não pretendo tomar mais que poucos minutos de sua atenção.
É uma sensação no mínimo estranha estar aqui, agora. Primeiro, pela singularidade do ambiente. É incrível pensar que em uma sala enorme, de poucas luzes e várias flores, com tantas pessoas vestidas de preto e a certa altura chorando, alguma coisa boa esteja acontecendo. Às crianças presentes, asseguro: está tudo ótimo aqui, o possível choro é de alegria mesmo.
Esperava-se, então, que, neste ponto da colação de grau, o orador dissesse algumas palavras emocionantes. Esperava-se, talvez, que ele falasse sobre as dificuldades de se completar um curso de graduação em uma universidade pública e, portanto, de recursos até certo ponto limitados; sobre a saudade de casa [para os que não residem ou não são daqui]; sobre o alto preço dos livros; sobre as filas do Restaurante Universitário; sobre a dureza de se conseguir um estágio em um horário que se encaixe em nossos cronogramas, ou a dureza de se escolher um tema ao mesmo tempo prazeroso e relevante para o Trabalho de Conclusão de Curso. Enfim, esperava-se que o orador dissesse tudo isso para, em seguida, dizer que o esforço foi recompensado, como se estivesse a aplicar uma espécie de bálsamo nas chagas desses (e dessas) valiosos (e valiosas) sobreviventes. A esta altura, supondo que todos então já se sentiram contemplados, o orador olharia então para eles com um ar de inquietação e perguntaria: "E agora, Fulano? E agora, Beltrana? E agora, Sicrana?". Mas não é isso que será dito agora:
Joelhos, salsa, lábios, mapa.
As letras dormiam na noite inclinada, e eram
silveiras bravas. Por elas
escorregava o sono inclinado: mercúrio,
salsa leve.
Unidas as letras nos cotovelos, unidas
dormindo
nos seus frios joelhos de letras.
Por baixo, os mapas redondos com seu
mercúrio leve e a sua
salsa leve inclinada. Bravias
silveiras escorregando nos mapas.
Meus lábios unidos às letras dormindo.
Esse, isso - cabelo quente, telha molhada.
Eles vinham sonhando, elas vinham sonhando
enquanto por baixo as letras vergavam num sonho.
(Variações sobre um excerto do poema "Joelhos, salsa, lábios, mapa", de Herberto Helder).
Disse certa vez um poeta português, pessoa muito otimista, que "tudo vale a pena se a alma não é pequena". Ora, apesar de apenas formando e sem ínfima parcela da reputação do ilustre literato, convém que hoje diga algo em sentido talvez contrário: não importa muito o tamanho da alma: há muita coisa neste mundo que não vale a pena. Esta cerimônia, senhoras e senhores, no entanto, está longe de ser uma delas. Aproveitem estes momentos, emocionem-se, chorem se necessário, sintam o cheiro da noite ao deixar o ar-condicionado do recinto, e abracem estas pessoas. Elas merecem!
Obrigado.
Sandro Brincher, 26/04/2008.
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