Pedro Parente no debate promovido pela revista The Economist explica a importância da introdução do termo "responsabilidade" na disputa ideológica para estabelecer a austeridade fiscal como uma política desejável. Uma confirmação clara de um ponto destacado por Cesar Benjamin num artigo de 2005 na Caros Amigos, 16/12/2005
LULA E O LIVRE COMÉRCIO :
"A forma predominante de dominação ideológica não é mais o ocultamento dos fatos, um estratagema bastante primitivo, usado pelas ditaduras. Hoje, a dominação se faz muito mais pela capacidade de nomear. Mário de Andrade dizia: "As pessoas não pensam as coisas, elas pensam os rótulos." Tinha razão. Boa parte do jornalismo econômico contemporâneo, por exemplo, tornou-se uma grosseira arte de rotular.
À lei que define que os recursos públicos devem ser prioritariamente usados para pagar juros ao sistema financeiro, em detrimento de todos os demais gastos do Estado, rotula-se "lei de responsabilidade fiscal". À prática de cortar gastos essenciais, para sustentar esses mesmos pagamentos, rotula-se "disciplina" ou "austeridade", necessárias para formar um "superávit" metafísico (denominado, espertamente, "superávit primário"). Ao desmonte dos mecanismos de defesa de uma economia periférica e frágil rotula-se "abertura". Aos efeitos do desvio de finalidade das contribuições sociais - recolhidas pelo Estado, conforme a Constituição, para financiar o sistema de Seguridade Social - rotula-se "déficit da Previdência".
Os meios de comunicação difundem esses chavões e, pela repetição, os incorporam à linguagem comum. Feito isso, não há mais debate possível. Quem pode ser contra "responsabilidade", "disciplina", "austeridade", "abertura", "superávit", coisas evidentemente tão boas? Quem se habilita a defender, a sério, "irresponsabilidade", "indisciplina", "gastança", "fechamento" e "déficit"?
Em plena vigência de um regime político que garante liberdade de imprensa, paradoxalmente, quase ninguém tem acesso aos conteúdos das questões. Tudo fica paralisado nos rótulos, usados para bloquear sistematicamente o pensamento.
Essa prestidigitação semântica, que sustenta a ideologia econômica dominante, é imensamente frágil. Poderia desfazer-se por meio de um simples ato de renomear. Os pontos de vista seriam automaticamente modificados, por exemplo, se trocássemos o nome da "lei de responsabilidade fiscal" para "lei que define que pagar juros ao sistema financeiro é mais importante do que investir em serviços essenciais". Os exemplos poderiam se multiplicar.
Só quem controla os meios de comunicação pode nomear e renomear de forma eficaz. O esforço de pensamento, voltado para ultrapassar a rotulagem e penetrar no conteúdo das questões, torna-se um ônus de quem rema contra a maré. É muito mais fácil surfar no bom senso dos rótulos."
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